quarta-feira, 4 de julho de 2012

METE FICHA E PASSA A RÉGUA!




Sílvio Margarido

     Nos idos de 80 e 90, tive o prazer de trabalhar com um dos produtores culturais mais versáteis e dedicados que eu já conheci. Era o Jorge Nazaré. Atuando no audiovisual, indigenismo, publicações, eventos musicais e até mesmo na política, ele conduziu os seus projetos com uma dedicação pouco vista nos dias de hoje. Alegre, instruído e antenado com tudo o que se passava na floresta e no centro urbano, teve, em seus 39 anos de vida, a firmeza, o amor e o respeito pela nossa identidade e dava conta de qualquer recado. Como poucos, Jorge movimentou Rio Branco.
     Quem precisasse dos seus serviços, assim como eu, encontraria não só um aliado da causa, mas um grande companheiro e amigo. Nunca foi de se preocupar muito com o dinheiro, tanto que viveu com um salário pífio e mais os trocados que ganhou nas produções em que se meteu. Além disso, e como acontece costumeiramente, ainda era injustiçado com as acusações de que estaria se aproveitando das ocasiões e das pessoas com quem trabalhava. Tudo mentira, ele vivia mal!
    Como realizador de vídeos, ele foi produtor de vários de meus trabalhos com uma perspicácia e agilidade que não encontro em ninguém. O seu lema era: mete ficha! Algo como uma senha que abria os caminhos para uma nova realização. Quando estávamos para concluir um projeto, ele tinha um outro jargão: passa a régua! E pronto, podíamos partir para outra, pois, como ele sempre dizia, “temos que empurrar o expediente”. Nos incentivava para nunca parássemos.
      Em suas viagens pelas aldeias do Acre, com o pessoal do Núcleo Txai e a Comissão Pró-índio (CPI), ao lado do indigenista Terri Aquino, ele viu a necessidade de que as comunidades indígenas tivessem documentação, promovendo o acesso a carteira de identidade, título de eleitor e todos os direitos. Era a cidadania levada para a floresta. Na verdade, era a prática da “florestania”, um termo inventado por ele e pelo Terri, depois incorporada pelo jornalista Toinho Alves, e que se tornou um conceito de sustentabilidade e um modelo de política pública por aqui.
     Em relação a cultura, Jorge sonhava com um estado diferente, só que não deu tempo de esperar os meninos do PT chegarem ao governo, em 1999. Parece até brincadeira, mas ele nos deixou no dia 1° de abril daquele ano. No Dia da Mentira. Uma coisa difícil de acreditar e, talvez, fosse realmente isso que ele queria, que nunca acreditássemos que a vida pudesse ter fim. Mesmo tendo participado de todas as campanhas eleitorais, não pôde usufruir dessa vitória que ajudou a conquistar. E ele também era um desses valiosos meninos. Eu sinto a sua falta por esses e outros motivos, porque ele não media esforços para ver algum projeto acontecer se esforçava ao máximo. Nos desculpe se, por ventura, a homenagem de dar o seu nome a Concha Acústica foi um gesto pequeno. O que você realmente merecia, meu amigo, era festa todos os dias naquele lugar. Valeu, Jorge Nazaré!

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